quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Temporada 1 - Surrealismo

Passado uns dias de nos encontrarmos naquele ecossistema completamente novo considerávamos que já estávamos completamente integrados, vendíamos cada vez melhor, já conhecíamos o que é que na vending machine era bom (não foi difícil visto que nada era bom), tirávamos cafézinhos a custo de 20 cêntimos e conhecíamos os comes e bebes de excelência da região (que consistia em 2 ruas).
Ainda não dominávamos apenas aquelas coisas que só a experiência traz, os procedimentos, aquelas coisas que são supostas ser mas vai se a ver e depois não são ou se são são completamente diferentes do suposto.Essas mesmo.
E foi aqui que começou tudo a azedar, ou pelo menos o primeiro azedume mais sério desde a nossa entrada dias antes.
Viemos nós a reparar no seguinte, nas pausas, normalmente, é aquela altura de conversa ou fumar um real cigarrinho e nós fazíamos ambas.Começamos então a apercebermos-nos que ninguém sabia ao certo o que andava ali a fazer, isto é, nós fomos contratados sob um modelo de trabalho onde deveríamos receber um X fixo mais um X sobre objectivos (patamares)  e como é normal começamos a perguntar a este e aquele como era, se se recebia bem ou não, como era trabalhar ali etc.As respostas variavam como do dia para noite, se uns diziam que se fazia bem outros diziam que era o inferno na terra, se uns diziam que recebiam X outros diziam que recebíamos Y e outros ainda diziam que nós pagávamos em vez de receber.estas e outras respostas completamente diferentes levaram-nos a reparar numa única constante, ninguém sabia nem nunca tinha ouvido falar do tal modelo sob o qual nos contrataram, nem o nosso chefe.
Dirigimos-nos portanto a alguém mais acima na escala hierárquica (se nunca leram um livro chamado "A divina comédia" escrito por Dante Alighier onde são descritos os 9 círculos do inferno não leiam, venham para cá) que nos explicou que o modelo para o qual estávamos contratados só iria entrar em vigor talvez dali a um mês ou mais.Ficamos boquiabertos, demos por nos a trabalhar então num modelo que não conhecíamos sem nenhuma garantia de que iríamos passar para o outro.
Isto fez com que ao longo daquele mês todos os meus colegas de formação se despedissem menos uma que ficou posteriormente sempre comigo em tudo o que corremos.
Passado um mês e alguns dias quando eu próprio já pensava seriamente em me ir embora veio a noticia de que iríamos passar para o dito regime e assim se finalizou um dos muitos capítulos que nos fizeram suar.

domingo, 23 de outubro de 2011

Gente brilhante parte 1

Operador : - Gostaria de lhe apresentar determinado serviço por fibra óptica, pois já está disponível na sua zona.
Cliente : - Ó meu amigo poupe o seu latim, eu percebo disto tenho um satélite há dois anos acha que quero a fibra óptica por amor de Deus.
Operador : - Sr. X mas é o mesmo preço e beneficia de muito mais vantagens.
Cliente : -Ninguem dá nada a ninguém e eu já lhe disse eu percebo disto agora vou desligar.

Cliente liga para o apoio a clientes:

Cliente : - Boa tarde, quero fazer uma reclamação.Vieram os montar a minha vizinha de cima e não me montaram a mim.

Cliente : - Gostaria de desactivar a playbox por favor.

Cliente : - É possível ter o serviço sem se pagar?É porque eu conheço quem tenha.

(depois da instalação do serviço cliente liga para a linha de apoio)

Cliente : -Quero tirar esta merd* toda daqui.Isto não funciona, tenho a televisão toda preta.
(Depois de averiguar inúmeras situações o operador pergunta)
Operador : - Sr. X o senhor tem a box ligada a ficha?
Cliente : - Não, ninguém me disse que era preciso.

Temporada 1 - Ascensão

Passemos então para o verdadeiro inicio e visto que desde aquele primeiro dia até hoje consigo visualizar 3 parcelas de tempo completamente distintas decidi repartir o que se segue em 3 temporadas.
Saímos portanto da formação para o nosso primeiro dia de trabalho oficial.Na formação éramos 7 mas um senhor decidiu frequentar a mesma sob um tal efeito de medicamentos que ia lá dormir e nos poucos minutos que passava acordado contrariava literalmente tudo o que o formador dizia mesmo sem ter ouvido nada do que se tinha passado nem o contexto da conversa e tinha ainda momentos em que simplesmente acordava e dávamos por ele a falar de pirâmides e conspirações (True story, ele divagava mesmo sobre estes assuntos) pelo que foi gentilmente mandado embora.Éramos portanto 6 neste momento, três senhora, dois senhores e eu.
Ao chegarmos á sala fomos apresentados aquele que viria a ser o nosso supervisor até hoje, fomos depois mandados para um canto sem ninguém e postos a comunicar.Aqui começa aquilo com que nunca tínhamos sonhado...nem por sombras.Começamos a atender chamadas e ouvir coisas do outro lado completamente surreais, como por exemplo:

Operador : -Boa tarde, é possível falar com o titular da linha telefónica?
Cliente : -HAN?(aos gritos) o Eduardo não está meu senhor é engano.
Operador :-Sra. dona X eu gostaria era de falar com o titular.É possível?
Cliente: -Meu amigo já lhe disse que o Eduardo não está e aqui não há ninguém responsável.
Desligam a chamada

Posteriormente irei deixar aqui muitas mais destas situações, visto que também é esse o intuito deste blog, mostrar ás pessoas o quão muitas vezes somos ridículos.
Foi a primeira vez que comunicamos durante 8 horas e até achamos engraçado, vende-mos uns tantos produtos pelo que estávamos motivadíssimos e só queríamos vender mais.
Começamos a vender mais e mais nos dias que se seguiram e visto que estávamos á prova durante 15 dias de experimentação era óptimo.De facto no primeiro dia o nosso grupo foi o que mais vendeu da equipa inteira (No call-center existem várias salas com 2 equipas cada, cada equipa com cerca de 20 comunicadores.Dentro de cada equipa há dinamizações ou seja "jogos" ou competições no sentido de motivar as pessoas)
Mal nós sabíamos o que viríamos a descobrir nos dias que se iam seguir.

sábado, 22 de outubro de 2011

Aquilo que seria suposto ser

Boas noites pessoal, na continuidade daquilo que tenho vindo a escrever passamos hoje do extraordinário fenómeno que é a contratação para um ainda mais fantástico.
A formação...aaahhh a formação, como eu gosto dela, uma media de 3 dias stress free, onde um grupo de pessoas cheio de formidáveis expectativas conversam sobre o quão aquilo não e tão mau quanto parece e que até pode ser divertido, tão estúpidas.
Digamos que, se eu acreditasse em religião, a contratação equivale a vender a alma, a formação será o limbo antes de sermos mandados para o inferno.
Pois bem ela está dividida em 4 partes: Produto, técnicas de venda, side-by-side e formação on job.É dada com tal velocidade que faz o som ou a luz sentirem vergonha.
No produto é  nos dado tudo aquilo que vamos vender (equivale a olhar durante um dia para um datashow a projectar uma infinidade de tabelas com subtabelas de preços características etc.) e são-nos "ensinados" todos os produtos que a empresa vende, just in case, de uma maneira que acabamos por não aprender nenhum, e somos forçados a aprende-los com a experiência.
Temos as técnicas de venda, o meu personal favourite, pela razão de que as pessoas que nos ensinam as técnicas , normalmente, não têm a mínima noção de como vender.Ensinam-nos que NUNCA se pode utilizar a palavra "não" com um cliente, aliás, até nos dão um exercício para transformar frases com a palavra "não" em frases do mesmo significado mas escritas de maneira diferente.Ensinam-nos que o cliente nunca tem razão, nós vamos contacta-lo não no sentido de lhe propor algo mas sim para lhe dizer que ele quer algo.Agressividade comercial (tantas vezes me apeteceu espancá-los com o telefone, portanto resultou).Ensinam-nos que visto ser telemarketing a voz é a nossa "cara" portanto deve estar sempre limpa e contente mesmo que nos apeteça cortar os pulsos na PA.
Posso dizer que considerando-me um muito bom vendedor não concordo com nada disto.
Side-by-side são 30 minutos em que estamos ao lado de comunicadores mais antigos a ouvir meia dúzia de chamadas e por fim formação on jobonde nos colocam a trabalhar e pagam-nos como se estivéssemos em formação sob o pretexto de quererem ver se somos bons. 

São basicamente dias de não fazer nada, de pequenas noções que no futuro se vão ver desacreditadas, de felicidade de ter emprego, de fazer planos e de não saber que nos meses seguintes aqueles dias, aquelas pessoas , aquele sitio nos iria fazer querer desistir de praticamente tudo. 
O que realmente interessa iria neste momento começar como vamos ver, tantas tramas, tantas mentiras, tantos alegrias e tristezas, frustrações e situações completamente impensáveis que pensámos uma vez escrever um livro sobre o que se passava lá, mas como foi uma ideia que morreu 2 segundos depois, peguei nela e transformei-a naquilo que este blog virá a ser.

ETT

Boa noite minha gente, depois dos conceitos dados, do panorama geral ser visto quero começar a explicar-vos porque é que trabalhar num call-center equivale ao inferno na terra (pronto também tem coisas boas e eu ando já vai para 3 anos a tentar descobrir quais são).

Comecemos então onde tudo começa no "belo" mundo do outsourcing.
O que é uma ett, passo a explicar, uma ett (empresa de trabalho temporário) é muito basicamente um bode expiatório legal.Funcionando assim, um trabalhador é contratado por uma ett para ir trabalhar para uma empresa, a empresa paga á ett e esta por sua vez paga ao trabalhador.
Porque é que a empresa não contrata directamente o trabalhador e poupa em não ter de pagar á ett perguntam vocês?Por uma simples razão Imaginemos que hipoteticamente eu trabalhava na PT (muito hipoteticamente) esta paga á ett para me contratar, a ett ganha pois ao contrata-nos recebe uma percentagem sobre o ordenado de cada trabalhador, a PT por sua vez ganha pois corta todas as responsabilidades que poderia ter com o trabalhador, vejamos, se passarmos a efectivos a PT pode despedir-nos quando bem entender pois na realidade o nosso contrato é com a ett, trabalhamos com contratos renováveis automaticamente de 15 em 15 dias logo podem despedir-nos num ápice com qualquer justificação porque realmente nós legalmente quase que nem lá estamos.Por exemplo, se ficamos doentes e temos uma baixa para entregar eles podem-nos despedir.
É uma sinergia de duas empresas onde só o trabalhador perde, perde toda a segurança pois nunca se pode realmente contar com o trabalho que temos, Podem exercer uma pressão insuportável em todos os pontos, não se pode pedir um crédito por mínimo que seja e além do mais a ettainda nos retira uma percentagem para ela, praticamente estamos a pagar para nos tratarem desta maneira.

Todos num call-center trabalham assim, apenas o pessoal de cargos mais acima na cadeia hierárquica são dos quadros da empresa.
E este minha gente é o começo dos problemas, de fato, este é um dos menores problemas.

A verdadeira realidade de um Call-Center


Em primeiro lugar, e para que entendam perfeitamente tudo o que se vai seguir, vou deixar aqui o panorama geral e alguns conceitos para que quem está de fora possa entender bem tudo aquilo de que vou falar.Á medida que me for lembrando de mais termos ou que pense ser necessário,escreve-los-ei aqui.
 Pois bem, como referi no comentário passado eu trabalhei em 2 call-centers no passado e encontro-me a trabalhar num outro há já um ano e meio aproximadamente.Todos têm algo em comum, são de operadoras de comunicações (não posso escrever os nomes porque em todos tive de assinar um contrato de confidencialidade e nem sabem como estes gajos levam aquilo assério) mas posso-vos dizer que o 1º onde estive era OPTIMO, já o 2º foi aqui da ZONA e onde estou neste momento é da mais conhecida de todos, aquela de Portugal...de que já todos fomos clientes.

Não será necessário dizer que já fiz inúmeras campanhas, que conheço tudo o que é produtos e promoções etc.. etc... Tudo o que há para saber, off the record ou não, eu sei, assim como todos os que lá trabalham á um número razoável de tempo.Onde estou é sem dúvida um dos maiores call-centers de Lisboa, pelo menos em tamanho e será sobre este principalmente que vos escrevo.

Em primeiro lugar alguns termos.

Script - Programa que permite "caírem" contactos da base de dados directamente no nosso computador para que nós os atendamos (na realidade nós não os atendemos, vocês e que os atendem e quando nos chegam vocês já atenderam e nos temos de estar sempre prontos para falar).

Callback - Como o nome indica são contactos que nós reagendamos para nós próprios, normalmente quando é uma situação de venda ou potencial venda, para podermos vender nós e ganhar com isso.

Campanhas - dentro do call-center há uma panóplia enorme de campanhas diferentes para todas as situações possíveis e imaginárias.

PA's - basicamente é um nome fino que dão ao cubículo que cada um tem com o computador e espera-se que seja o nosso "espaço pessoal".

Trabalhamos 8 horas/dia, 5 a 6 dias por semana, atendemos cerca de 400 chamadas por dia, imaginem estarem 8h ao telefone a tentarem impingir a alguém algo que eles não querem realmente e a ouvirem a resposta a isso.
Temos de estar 8h fechados a olhar para um ecrã que tem sempre a mesma imagem a dizer a mesma coisa, da mesma maneira, num espaço de um metro por um metro e meio a ouvir o ruído de mais 80 comunicadores só naquela sala e rezar para que sejamos bons que chegue para vendermos pelo menos melhor que metade deles.Até que os minutos parecem horas e as horas...bem parecem infinitas.

Ficam portanto com o panorama geral e no futuro aqui e ali mais algumas coisas.

Início

Venho por este meio partilhar com vossas excelências algo que ando a adiar á anos.
Depois de muito conferenciar com colegas de profissão, depois de muitas vivências decidi partilhar algo que nunca encontrei antes na internet, em nenhum blog, site, rede social, etc.. etc..

Passo a explicar.
No sentido de poder acabar a minha universidade, desde há uns anos trabalhei em call-centers, trabalhei em 2 no passado e encontro-me a trabalhar num outro há já um ano e alguns meses.Decidi partilhar portanto aquilo que não sai cá para fora.
As pessoas dizem e com razão, ás vezes, quando atendem aquele fatidico telefonema 'desculpe não quero' e viram-se para o outro lado, ainda com o telefone ligado e dizem para um qualquer parente, amigo ou sabe deus quem mais 'eram aqueles chatos a tentar vender'.
Ora o que nunca vi e o que eu sei é que a grande maior parte das pessoas não sabe como é estar do outro lado, as situações que ouvimos, as gralhas, os tipos de pessoas que apanha-mos, o que nos é ensinado, o que nos é dito, a panóplia de momentos de deitar as mãos á cabeça, e muito mais.
Enfim um dia a dia num call-center no centro da nossa grande Lisboa, um dos maiores onde estou 8h por dia 5 dias por semana (ou 6 dependente do que me é pedido).

Para muitos que atendem somos uma máquina que está do outro lado e não uma pessoa, para outros apenas putos que estão num trabalho de férias, para outros ainda alguém que não tendo um trabalho "tão bom" como o deles não têm direito a ser ouvidos, chatos, burros e muito mais.

Quantas vezes eu ouvi 'Não obrigado e tenho pena por não ter arranjado nada melhor mas boa sorte".

É isto que tenho para partilhar, anos de experiências umas hilariantes outras de cortar os pulsos, minhas, de colegas de profissão.

Espero que gostem e todos os dias deixarei aqui 1 ou 2 posts grande ou pequenos , who cares.